O príncipe belga era um homem culto, letrado e sensível mas com tal horror da vida pública que se casou em segredo, e só anos depois tornou público o seu novo estado civil.
O príncipe Alexandre Emanuel Henrique Alberto Maria Leopoldo da Bélgica, que morreu de uma embolia pulmonar quando fazia os seus exercícios diários no ginásio da moradia de Rhode Saint-Genèse, um dos arredores confortáveis de Bruxelas, onde vivia com a mulher, a princesa Leha e os filhos desta, na manhã de domingo, 29 de Novembro, era príncipe de sangue da Casa Real belga, meio-irmão muito mais novo do rei Alberto II, do rei que precedera este, Balduíno I, e da grã-duquesa-mãe do Luxemburgo Josefina-Carlota, todos filhos do rei Leopoldo III, mas ao contrário dos irmãos mais velhos não fazia, por assim dizer, inteiramente parte da dinastia reinante pois à nascença o rei Leopoldo estipulara que ele (e qualquer outro filho que tivesse do mesmo leito) não poderia ser pretendente ao trono do rei dos belgas.
Em 1935, cinco anos antes de a Segunda Guerra Mundial ter levado à Bélgica a invasão e a ocupação alemãs, Leopoldo III, coroado em 1934, enviuvara da rainha Astrid, nascida na família real sueca, num desastre do automóvel que ele próprio conduzia durante férias nos Alpes suíços, deixando órfãs as crianças Josefina-Carlota, Balduíno e Alberto e deixando também no povo, quer valão quer flamengo, grande saudade da jovem rainha que era muito bonita e viera temperar a altivez rígida dos Saxe-Coburgo com o à-vontade afável dos Bernardotte. Não havia ainda nesse tempo televisão nem internet mas esboçou-se mesmo assim na Bélgica um culto pela sua memória.
Entretanto, chegou o assalto nazi à Europa e enquanto o rei Haakon da Noruega e a rainha Juliana da Holanda partiram para Londres para não terem que coabitar com os invasores dos seus países e ajudaram a animar do exílio a chama da resistência ao ocupante e o rei Cristiano da Dinamarca, embora ficando em Copenhaga, se conservava distante das autoridades invasoras e protestava invariavelmente contra perseguições e deportações dos seus súbditos, resistentes ou judeus, Leopoldo III, que declarara por iniciativa própria a rendição da Bélgica antes das suas tropas terem cessado de combater, não acompanhara a Londres o governo belga que lá se refugiara mostrando mesmo falta de solidariedade com este, ignorando pedidos de intervenção junto do invasor para impedir o fuzilamento de reféns ou o degredo para trabalhos forçados na Alemanha de compatriotas seus, reinava em harmonia com as autoridades fantoches, submissas aos alemães.
Recuperado do desgosto da viuvez apaixonara-se por uma burguesa belga, Lilian Baels, a quem deu quando com ela casou em 1941 o título de princesa de Réthy, com fama de simpatias pró-alemãs, que as flores e parabéns mandados por Hitler aos noivos não ajudaram a desvanecer e mais o separaram ainda da população. Em Junho de 1944, os ocupantes em retirada levaram Leopoldo e a família para a Alemanha; acabariam por ser libertados pelos americanos em Salzburgo em Maio de 1945. Mal-querido entre os seus, não voltou logo, ficando o irmão Carlos como regente; conseguiu retomar o trono nomeando Balduíno seu lugar-tenente mas o mal-estar não parou de crescer e teve de abdicar nele, sendo mais tarde obrigado a trocar o palácio de Laaken pelo castelo de Argenteuil, para não influenciar o filho.
Após a sua morte, o governo belga não autorizou a família - a princesa viúva, Alexandre e suas duas irmãs - a continuar a viver no castelo.Infância e adolescência assim dilaceradas marcaram para sempre Alexandre, homem culto, letrado e sensível mas com tal horror da vida pública que se casou em segredo, com uma senhora já mãe de filhos, apenas anos depois divulgando o seu novo estado. Apesar de próximo do irmão rei raramente era visto. Só quando morreu muitos se lembraram de que fora vivo.
Há dias, outro belga, de origem anónima para o mundo, ascendeu de repente à ribalta como presidente da União Europeia. Na véspera, este belga, nascido no fulgor da primeira família do reino, sumia-se discretamente como há muito tempo decidira viver.
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