segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O Rei Leão

Por Nuno Pombo

Até Novembro, estaremos entretidos com as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Isto se os estilhaços que as falências, ditosas filhas do capitalismo sem referências, vão semeando não nos distraírem irremediavelmente.

Os comentadores políticos, mesmo cá no burgo, traçam o perfil dos candidatos, evidenciando os seus contornos mais impressivos: a cor de um e o sexo de outra. Se para estas eleições fossem convocados os eleitores europeus, Obama teria uma maioria esmagadora. Uma maioria africana, mesmo. Mas nos States, ao que parece, a "alucinada" Palin ameaça a colorida entronização do que deste lado do Atlântico pensamos ser o sonho americano. A vitória do pretenso securitismo belicoso de McCain sobre a utópica demagogia de Obama, a acontecer, convocará, estou certo, as carpideiras do costume. Lá chorarão, ruidosas, a democracia, imolada na sua intrínseca virtude no altar onde imperam forças obscuras e o vil metal. É sempre este o filme que passa nas nossas pantalhas quando o resultado eleitoral não coincide com a expectável solução política ditada pelos despojados opinion makers.

A escolha da pretérita Miss Alaska pelas hostes republicanas veio apimentar a trama, dar-lhe um curso novo e inesperado, ao pretender captar a simpatia de um eleitorado que não digeriu ainda a derrota de Mrs. Clinton. Se os democratas perderem esta eleição, segundo o que oiço dizer, devem-no não ao consulado exaltante de Bush mas à erosão fratricida de umas primárias particularmente disputadas. Os mais ferozes apoiantes dela não conseguem ver-se representados nele. E a inversa seria também verdadeira.
É que, na verdade, o processo electivo implica, como se viu, combate, refrega. E quanto mais aguda for a peleja menor a base para entendimentos alargados. E os que forem exibidos serão frouxos, se não cínicos. Ainda me recordo de ver, logo após a vitória de Soares sobre Freitas, lapelas engalanadas com truculentos autocolantes que deixavam ler um inconformado "O meu presidente é outro": a vindicta, tão ao gosto de certa cinematografia.

Ora, se para o governo, órgão responsável pela condução dos destinos do país, se recomenda, pela clarificação que sugere, o vigor do processo eleitoral, já para a chefia do Estado o método parece-me desaconselhável. Penso que Obama e os americanos, lá para Novembro, perceberão este argumento. A chefia do Estado não dirige. Representa. E a representação, para ser genuína, não se compadece com os atritos que a via electiva necessariamente comporta. Há povos que não têm alternativa, por não terem história. Outros, como o nosso, têm-na mas desperdiçam-na.
Enquanto o mundo avança, continuam a oferecer-nos, nas vésperas do Centenário da República, pipocas e um sistema político em tudo semelhante a uma novela mexicana. Sangue, insegurança, paixões e traições, falências, casamentos e divórcios, tudo sustentado por actores de segunda categoria que, apesar de não serem populares, enriquecem enquanto interpretam, sem assinalável esforço, um enredo deplorável, onde nem os diálogos, todos dobrados para português, se salvam.

Prefiro, ver, com os meus filhos, o Rei Leão, da Disney. Boa fotografia, excelente música e uma história verdadeiramente bonita. A cena em que todos os animais da floresta, das zebras aos elefantes, passando pelos coelhos e pelas gazelas, se reúnem para lhes ser apresentado o leãozinho que nascera e que todos já respeitavam é, a todos os títulos, admirável. Está nesta fita, para quem queira olhar com olhos de ver, a essência do monarquismo. As girafas são felizes e não querem ser leões. Mas, como os portugueses bem sabem, nem tudo são rosas. Também lá podemos encontrar, republicanão, um bicho matreiro que, cobiçando o trono e o respeito que lhe devotam os súbditos, recruta um bando de hienas para matar o Rei. E, como em 1908, matam mesmo. Só que no filme, depois de morto o Rei, os animais da selva unem-se, recuperam do choque e, em uníssono, de novo gritam, como seus pais e avós: Viva o Rei!

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