quarta-feira, 15 de julho de 2009

O que é que a república vai comemorar?

Por João Mattos e Silva

Aproxima-se o início das comemorações oficiais do centenário da república. A Comissão nomeada pelo actual presidente, Prof. Cavaco Silva, composta de “republicanos moderados”, onde até há uma conhecida personalidade ligada à Igreja, para evitar desmandos jacobinos e uma historiadora da arte, certamente para historiar a “arte” com que os republicanos assaltaram o poder legítimo, lançou há poucos dias um Portal que além de nos dar a conhecer a Comissão de Honra e a Comissão Consultiva, onde ombreiam o Grão – Mestre do GOL e um prelado católico, a par de outros republicanos irrelevantes, pouco mais diz. Porque pouco mais tem a dizer.

Aproxima-se o início das comemorações da implantação da república e eu ainda não percebi muito bem o que se quer comemorar. A revolução lisboeta que impôs a república pelo telégrafo ao resto do país, amolecido pela demagogia e indiferente perante o descalabro a que os partidos da Monarquia tinham reduzido a política? A I República das constantes revoluções, dos assassinatos dos seus heróis revolucionários e de um Presidente da República, da perseguição à Igreja Católica, dos presos políticos, da polícia política chamada pelos próprios republicanos “formiga branca”, da negação do voto das mulheres, da bancarrota, da participação na guerra europeia para, com milhares de mortos, consolidar o regime aos olhos internacionais? As ditaduras, do Partido Democrático de Afonso Costa, de Sidónio Pais, dos militares que, em 28 de Maio, saíram vitoriosos de uma “Revolução Nacional”, porque o povo estava farto da “balbúrdia sanguinolenta” que era a república? Da II República autoritária, da direita mais conservadora, que se afirmou pela memória assustadora da caótica primeira e da conseguida recuperação financeira do novo regime, pelo apoio pretoriano das Forças Armadas, pela polícia política, pela censura, pela repressão? A III República nascida de mais uma revolução contra a segunda, feita pelas Forças Armadas, e que só não conduziu a outra ditadura, agora da esquerda conservadora comunista, porque alguns políticos e alguns militares mais esclarecidos se lhes opuseram, criou um sistema democrático mas o condicionou à construção do socialismo, mesmo contra a vontade do povo não socialista, impôs o “sistema republicano de governo”, mesmo se o povo o não quiser, gerou uma partidocracia que domina o regime e manieta a liberdade democrática, apregoa a “ética republicana” mas pouco faz para impedir a falta de ética na actuação dos poderes do Estado e, nomeadamente, a corrupção e o nepotismo, nos empurra para a cauda da Europa em quase tudo, compromete o futuro e faz doloroso o presente para uma enormíssima parte da população, sem esperança e sem fé?

Seria demagogo, também eu, se não dissesse que muitas acções do regime republicano foram positivas em cem anos de vida. Mas o saldo, apesar disso, é negativo. E cada vez mais nos vamos dando conta desse facto, comparando-nos com as Monarquias europeias que foram evoluindo naturalmente sem roturas revolucionárias, a anos de luz de nós política, económica, social e culturalmente, e nomeadamente com a evolução da Monarquia espanhola, nascida depois da “revolução dos cravos”, que acedeu à democracia quase ao mesmo tempo e nos leva, em todos os aspectos, uma enorme dianteira.

Para além dos discursos laudatórios e encobridores da verdade histórica, das exposições que procurarão mostrar as “misérias” da Monarquia e o altíssimo “progresso” da República, do envenenamento dos nossos filhos nas escolas públicas com a distorção da História servida em concursos, palestras e outras actividades mais ou menos pedagógicas, mais ou menos lúdicas, de obras que já se deveriam ter feito, mas cuja desculpa para não as fazer é que não havia dinheiro, que agora jorra a rodos dos cofres de um Estado em crise financeira e económica, com milhares de desempregados e pessoas a viver abaixo do limite da dignidade humana e que, mesmo assim, estarão prontas ou não a tempo porque os portugueses e os lisboetas em particular não se deixam ludibriar com facilidade, para além desta parafernália de louvores estéreis e, nalguns casos, histéricos, o que fica? Nada. Porque o regime republicano está em estertor e um dia virá, talvez não muito longínquo, em que os portugueses - começando pelos críticos ilustres tão apreciados e divulgados que fazem diagnósticos acertados mas não atinam com a doença e muito menos com o remédio adequado - abrirão os olhos e mandarão para o caixote da História este regime e estas comemorações faraónicas, feitas com muitos milhões de euros que saem dos nossos bolsos.

[Com a devida vénia ao diariodigital.pt]

1 comentário:

Anónimo disse...

É muito estranha a presença do Dom Manuel Clemente nessa comissão.......
Mas no melhor pano cai a nódoa